Panorama: O gato subiu no telhado
14 de outubro de 202011 de outubro de 2020
Marco Antônio dos Santos Martins(*)
Conta-se que:
“Um casal dedicava especial atenção e carinho a um gato de estimação. Quando fizeram uma longa viagem de férias, deixaram o gato sob os cuidados da empregada. Após alguns dias, a madame ligou e perguntou sobre como estava o gato.
A empregada, então, respondeu: – Seu gato morreu.
A madame, nervosa e desesperada, entrou em pânico. O marido, também chocado, repreendeu a empregada, dizendo-lhe que deveria ter sido mais cuidadosa e sensível ao dar a notícia. Ele a instruiu sobre uma forma mais sutil de transmitir tais acontecimentos:
— Você poderia começar dizendo “o gato subiu no telhado”. Depois diria que ele se desequilibrou. Em seguida, que caiu do telhado e acabou não resistindo à queda. Seria mais sensível.
Semanas depois, estando ainda de férias, a madame ligou novamente para a empregada e perguntou-lhe se tudo estava bem. A empregada, cuidadosamente, respondeu-lhe:
— As coisas estão indo muito bem, mas sua mãe subiu no telhado…”
Após sair de uma semana conturbada, em meio a discussões envolvendo o teto de gastos e o programa Renda Cidadã, com inevitáveis desgastes ao Ministro da Economia, os mercados começaram a semana muito animados com as juras de amor entre o Ministro Paulo Guedes e o Presidente da Câmara Rodrigo Maia, com os dois reafirmando seu compromisso com o teto de gastos. Do lado internacional, o mercado foi ajudado pela alta médica de Trump, que se recupera da Covid-19, aliviando as incertezas que atrapalharam o comportamento dos principais índices americanos.
A tendência de recuperação da semana chegou a ser interrompida na terça-feira, quando, pelo Twitter do presidente americano, foi ordenado aos republicanos que interrompessem as tratativas com os democratas para a aprovação do pacote de gastos contra a crise, com o presidente Trump voltando atrás, horas depois.
O mercado retomou o movimento de alta nos dias seguintes, acompanhando o bom humor do cenário internacional e um pouco mais aliviado com o anúncio de que o Renda Cidadã deve ser divulgado somente após as eleições, sem incluir contabilidade criativa ou pedaladas fiscais. No entanto, permanecem as atenções com os atrasos da remessa ao Congresso da segunda fatia da reforma fiscal, sinalizando que a votação ocorrerá somente em 2021.
Nesta sexta-feira (9), o IBOVESPA voltou a cair, muito influenciado por Petrobras, que seguiu a queda do petróleo e teve perdas de 2,87% nas ordinárias e 3,13% nas preferenciais, bem como pela divulgação do índice de inflação de setembro, bem acima das expectativas.
Em linhas gerais, o otimismo acabou prevalecendo na semana, apostando que democratas e republicanos cheguem a um acordo sobre o pacote de socorro à economia, e que as discussões em relação ao programa Renda Cidadã e ao teto de gastos não se afastem muito da responsabilidade fiscal.
Mas no geral, a semana refletiu a expectativa de que os democratas e republicanos cheguem a um acordo sobre o pacote de socorro à economia. E, como é de praxe, o otimismo por lá influencia o mercado daqui.
Assim, o IBOVESPA fechou a semana em 97.483 pontos, com uma valorização de 3,69% na semana e de 3,04% no mês, revertendo o mau humor da semana passada. Já o dólar Ptax encerrou a sexta-feira (09) a R$ 5,5380, com uma queda 1,90% na semana.
Mas a sensação de “o gato subiu no telhado” ficou por conta dos investidores de renda fixa, que continuam preocupados que a combinação de riscos fiscais, câmbio e inflação possam deteriorar os ganhos reais dos títulos prefixados. Os juros chegaram a acelerar bastante após o anúncio da inflação de setembro, mesmo acreditando que a alta pode ser explicada em sua maior parte pelo efeito sazonal.
As taxas de contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) mais curtas, para janeiro de 2022, que refletem expectativas mais imediatas para a Selic, foram de 3,19% no ajuste anterior para 3,22%, O fim da curva está mais ligado a questões fiscais, com as taxas para janeiro de 2027 caindo de 7,54% para 7,52%.
Se por um lado, a melhora do cenário internacional e a retomada do discurso em relação ao equlíbrio fiscal acalmaram o mercado financeiro, na sexta-feira (9) o clima voltou a pesar, com a divulgação pelo IBGE do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de setembro que subiu 0,64%, ficando 0,40 ponto percentual (p. p.) acima dos 0,24% de agosto e bem acima das expectativas do mercado (0,35%). Esse é o maior resultado para um mês de setembro desde 2003 (0,78%). No ano, o indicador acumula alta de 1,34% e, em 12 meses, de 3,14%, acima dos 2,44% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em setembro de 2019, a variação havia sido de -0,04%.
A maior variação (2,28%) e o maior impacto (0,46 p.p.) no índice do mês de setembro vieram do grupo Alimentação e bebidas, que acelerou em relação a agosto (0,78%). Houve altas em outros seis grupos, com destaque para Artigos de residência (1,00%), Transportes (0,70%) e Habitação (0,37%). O grupo Vestuário, após quatro meses em queda, também apresentou alta (0,37%) contribuindo com 0,02 p.p. para o resultado de setembro. No lado das quedas, o destaque foi Saúde e cuidados pessoais (-0,64%), com impacto de -0,09 p.p. Os demais grupos ficaram entre o recuo de 0,09% em Educação e a alta de 0,15% em Comunicação.
A aceleração no grupo Alimentação e bebidas (2,28%) ocorreu especialmente em função dos alimentos para consumo no domicílio, cujos preços subiram 2,89% frente a agosto. Entre as maiores variações, estão o óleo de soja (27,54%) e o arroz (17,98%), que acumulam no ano altas de 51,30% e 40,69%, respectivamente. Em conjunto, os dois itens contribuíram com 0,16 p.p. no IPCA de setembro.
A segunda maior variação no índice do mês de setembro veio dos Artigos de Residência (1,00%), cuja alta ocorreu principalmente por conta dos itens TV, som e informática (1,99%) e mobiliário (1,10%). Este último, apesar da alta observada no mês, acumula queda de 8,73% no ano.
Os preços dos Transportes (0,70%) subiram pelo quarto mês seguido, embora tenham desacelerado em relação a agosto (0,82%). A gasolina, com alta de 3,22% em agosto, subiu 1,95% em setembro, contribuindo com 0,09 p.p.
Ainda em Transportes, outro destaque foram as passagens aéreas, com alta (6,39%) após quatro meses consecutivos de variações negativas.
A recomendação continua sendo de cautela, exigindo muito monitoramento em relação aos desdobramentos e repercussões no ritmo dos índices de inflação, principalmente com a retomada da atividade econômica em um ambiente de pressão de gastos e taxa de câmbio pressionada, pois juros reais negativos e desequilíbrio fiscal são combinações perigosas.
(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.