Panorama: Faltou um bom timoneiro
6 de janeiro de 202102 de janeiro de 2021
Marco Antônio dos Santos Martins(*)
Uma figura bastante comum nos barcos a remo e a vela é o timoneiro, também chamado “o homem do leme”, que é o tripulante responsável pela navegação. O termo latino está na origem de “o governo da embarcação”, pois as embarcações não são guiadas ou dirigidas, mas sim governadas. No remo, embora cada barco seja impulsionado por atletas altamente motivados, bem treinados e com excelente condicionamento físico, a presença de um bom timoneiro tende a otimizar os resultados. Já nos barcos a vela, o timoneiro é o responsável por conduzir o barco e fazer a orientação em relação à direção e às manobras realizadas. Em muitos casos, o timoneiro também é o comandante do barco.
O ano de 2020 passará para a história como um dos mais conturbados períodos da história mundial recente, sendo que estas agruras foram potencializadas pela ausência de bons timoneiros no leme de diversas nações do mundo.
A partir de março, o mundo parou, fazendo com que todos sofressem de alguma forma os efeitos sociais e econômicos da pandemia da Covid-19, o que exigiu drásticas mudanças no cotidiano, como a implementação de medidas emergenciais para tentar minimizar os estragos na sociedade, com um saldo, no caso brasileiro, de quase 200.000 óbitos por Covid-19, queda de PIB superior a 4%, e 14,1 milhões de desempregados e um déficit público próximo a 800 bilhões.
Contudo, o ano terminou com a mais aguardada das notícias: a chegada da vacina; desenvolvida em tempo recorde e com a utilização de modernas tecnologias, com a ciência demonstrando, mais uma vez, a sua capacidade de servir à sociedade.
No entanto, a descoberta da vacina é apenas a materialização do primeiro passo para a solução da pandemia da Covid-19, pois é preciso capacidade de produção em larga escala, recursos para a aquisição e um plano bem estruturado para a vacinação. Dezenas de países já começaram a vacinar a população, mas, na grande maioria das nações, o ritmo de vacinação é lento, obrigando países como Reino Unido, França, Itália e Alemanha, que estão enfrentando a segunda onda da Covid-19, a adotarem medidas mais severas de restrição de circulação.
No Brasil, o quadro ganha contornos mais preocupantes, com as autoridades demonstrando não estarem preparadas para a vacinação da população, mesmo sabendo, desde março de 2020, que a vacina chegaria e que seria necessário mapear todo o processo desde a compra até a sua aplicação.
A gestão do plano de vacinação parece seguir o mesmo receituário utilizado durante o período da pandemia: falta de planejamento e coordenação das ações. O Ministério da Saúde não sabe quando e quem será vacinado, tampouco qual será a vacina. De outro lado, alguns estados e municípios anunciam planos de vacinação sem maiores detalhamentos. Na falta de planos mais consistentes e diante das pressões da sociedade, o Palácio do Planalto tenta ideologizar a questão da vacina.
Enquanto pouco se sabe sobre o plano de vacinação, a segunda onda de Covid-19 é uma realidade. Os números de casos e óbitos vem se aproximando dos picos atingidos em julho e agosto, com a sociedade sofrendo os efeitos negativos das restrições oficiais ao funcionamento das atividades econômicas, mas não conseguindo conter o crescimento de casos gerados por festas e eventos clandestinos.
Com a questão sanitária ainda no centro das atenções, o ano de 2021 se apresenta bastante desafiador para o governo, pois terá que transpor vários obstáculos políticos e econômicos para conseguir retomar o crescimento no País.
Sob o ponto de vista político, o governo precisa recuperar os pilares de sustentação de seu plano inicial de governo, mais liberal, com propostas de reformas, privatizações, combate à corrupção, etc., bem como unificar o discurso dentro de sua própria equipe de governo e construir pontes com Congresso Nacional, em meio a uma eleição para presidência da Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Do lado fiscal, o mercado compreendeu que 2020 era um ano de “orçamento de guerra” e que gastos adicionais eram necessários diante da pandemia, sendo razoável que o País chegasse ao final do ano mais endividado. No entanto, a tolerância tem limites e o mercado espera que o governo reafirme seu compromisso com a disciplina fiscal, sem colocar em risco o “teto de gastos”.
O ano termina com a inflação em alta e o IPCA deve fechar o ano acima da meta, por conta da desvalorização cambial, das pressões de demanda e das restrições de oferta da indústria, sinalizando a necessidade do início de um ciclo de elevação da SELIC já no curto prazo.
Diante destes desafios é preciso fazer o PIB crescer para, dentre outras coisas, reduzir a taxa de desemprego, que fechou setembro em 14,6%, com o equivalente a 14,1 milhões de desempregados, que passam a não contar com o auxílio emergencial a partir de janeiro.
Os investidores em renda fixa encerram o ano buscando proteção contra a inflação, pois os sinais indicam que as aplicações em CDI deverão continuar perdendo para os índices de preços nos próximos dois ou três meses. O CDI encerrou o ano acumulando uma variação de 2,76%, enquanto o IMA-B fechou em 6,41%.
Já os investidores que apostam nos ativos de risco encerram o ano um pouco mais otimistas, embalados pelo fluxo do capital estrangeiro e pela falta de opção da renda fixa, com o IBOVESPA encerrando o ano em 119.017 pontos, com uma valorização de 9,30% no mês de dezembro e de 2,92% no ano, após muita volatilidade. O dólar Ptax por sua vez, encerrou o último dia do ano em R$ 5,1967, com queda de 2,53% no mês de dezembro e uma alta de 28,93% no ano.
Ao que tudo indica, na comparação dos indicadores de mercado o IMA-B deve ser um dos poucos que conseguirá superar a inflação do ano que deve ficar acima dos 4,5%.
(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.