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Panorama: A Biblioteca de Babel¹

9 de novembro de 2020

08 de novembro de 2020

Marco Antônio dos Santos Martins(*)

O escritor argentino Jorge Luis Borges escreveu em 1944 o conto “A Biblioteca de Babel”, considerado um dos textos mais complexos do autor. Trata-se de uma narração fortemente descritiva, onde o narrador apresenta aos seus leitores a imagem de uma Biblioteca, a Biblioteca de Babel, que é analisada sobre os mais diversos ângulos, permitindo um grande de número de interpretações.

No conto, Borges compara a biblioteca a um grande repositório de conhecimento para responder às angústias da humanidade na busca de respostas para intermináveis perguntas. Para o autor, por mais que os homens quisessem ler e ter a ideia de que todo o conhecimento está em um único livro, isso seria impossível, pois, mesmo que ele existisse, nunca haveria a certeza de que ele representa a verdade absoluta.

Ao descrever a biblioteca, o autor enfatiza sua complexidade e grandiosidade: “O UNIVERSO (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, veem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente.

A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras, em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal.

Uma das faces livres dá para um estreito vestíbulo, que desemboca em outra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do vestíbulo, há dois sanitários minúsculos. Um permite dormir em pé; outro, satisfazer as necessidades físicas. Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito.

No vestíbulo há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é infinita (se o fosse realmente, para que essa duplicação ilusória?), prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito…”

No transcorrer do texto, a grandiosidade e a complexidade da biblioteca são comparadas à dificuldade de compreensão da realidade. O autor comenta sobre a dificuldade de comparar obras, tendo em vista a variedade de títulos e temas, a diversidade de idiomas utilizados, bem como os incontáveis desafios de julgamentos, sugerindo, que mesmo diante um olhar inquisidor, é difícil separar o certo do errado, o bem do mal.

O conto termina, com o autor ressaltando o caráter ilimitado e periódico da biblioteca e que a desordem em que os livros estão dispostos representa, em última análise, um curioso ordenamento: “Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão alegra-se com essa elegante esperança.”

Nesta semana, em que as atenções do mercado financeiro e do mundo estiveram voltadas para o desfecho final do pleito eleitoral americano, percebe-se diversas interpretações sobre os acontecimentos durante a campanha eleitoral, bem como em relação à divulgação do resultado final. Sob uma perspectiva, observamos o atual Presidente, derrotado, atacando o processo eleitoral sem apresentar provas. Sob outro ângulo, vemos o candidato eleito pregando união e igualdade entre os americanos, combate à Covid-19 e uma economia mais pujante e sustentável. Além disso, nos deparamos com grupos radicais que disseminam, também sem provas, teorias conspiratórias estapafúrdias e infundadas, como a que liga os democratas a supostas redes de pedofilia.

O comportamento humano nos leva a refletir que o texto de Jorge Luis Borges pode ser também interpretado à luz da moderna sociedade da informação, que alimentadas pelas hexagonais e infinitas conexões das redes sociais, flexibilizam fatos e tornam cada vez mais difícil a compreensão da realidade, dando a impressão, como na Biblioteca de Babel, que a quantidade de dados e informações, bem como a velocidade com que circulam e se multiplicam são insuficientes para responder às infinitas dúvidas formuladas pelos tomadores de decisão.

O mercado financeiro, perdido nesta moderna “biblioteca de babel”, encerrou a semana em alta, acreditando que o histórico de diálogo de Joe Biden possa auxiliar na aprovação do pacote fiscal, estimado em até 10% do PIB (US$ 2 trilhões) e, assim, acelerar a retomada do nível da atividade econômica americana, mesmo diante do crescimento do número de casos da Covid-19.

No mercado interno, os investidores resolveram esquecer “as infinitas galerias do hexágono da biblioteca” e acompanharam o bom humor do mercado externo, com o IBOVESPA exibindo forte recuperação nos preços, fechando a sexta-feira (06) em 100.925 pontos, com uma valorização de 7,42% na semana. Na mesma linha, o dólar Ptax encerrou a semana em R$ 5,5313, com queda de 4,17% na semana.

Por fim, as taxas de juros futuros tiveram forte queda, também influenciadas pelo otimismo do mercado em ver Joe Biden chegando cada vez mais perto da Casa Branca. No fim do dia (06), a taxa do contrato de DI para janeiro de 2022 caiu de 3,45% para 3,36%, a do DI para janeiro de 2023 caiu de 5,03% para 4,92% e a do DI janeiro de 2025 recuou de 6,66% para 6,57%.

Em termos de perspectivas, o mercado deve voltar a monitorar o cenário interno, acompanhando, dentre outras coisas, a divulgação dos índices de inflação do mês de outubro e as negociações em torno do orçamento para 2021.

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1 BORGES, Jorge Luis. Ficções (1944). Tradução: David Arrigucci Jr.São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

 

(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.