Entrevista: A imprevisibilidade é a principal característica do mercado em 2020
9 de novembro de 2020Fonte: Plantão ABRAPP em Foco
Em entrevista exclusiva para o Blog Abrapp em Foco, Aquiles Mosca, Head Comercial, Marketing e Digital do BNP Paribas Asset Management analisa o cenário atual que, segundo ele, continua marcado pela persistência da imprevisibilidade e forte volatilidade dos mercados. “A pandemia continua como uma tônica para os mercados. Por isso, a volatilidade continua alta para os mercados”, diz o especialista ao se referir às novas ondas de contaminação de Covid-19 na Europa e Estados Unidos.
No cenário doméstico, para agravar a situação, existe o aumento do risco de desequilíbrio fiscal e aumento do tamanho da dívida pública. Diante desse cenário de incertezas, Aquiles reforça a importância de manter o olhar no longo prazo para aproveitar todas as oportunidades possíveis. E recomenda, além da busca de ativos com maior risco, como por exemplo, fundos no exterior, também a opção de classes prazos mais longos. Neste caso, ele fala da alternativa pelos fundos de infraestrutura. Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Blog Abrapp em Foco: Poderia analisar o cenário atual de investimentos?
Aquiles Mosca – O principal ponto de 2020 foi a reversão das expectativas que a pandemia trouxe em relação às expectativas para o ano. Entramos no ano esperando que haveria aceleração do crescimento. Seria um ano com continuidade das reformas. No ano passado tivemos a aprovação da Reforma da Previdência e existia muita expectativa neste ano de andamento das reformas Administrativa, Tributária, do próprio movimento de privatizações que daria um maior fôlego fiscal. E a pandemia trouxe tudo isso para baixo. Foi um momento de virada, de expectativas muito positivas para um ano de recessão recorde, com uma imprevisibilidade muito grande.
Blog Abrapp – Poderia dizer que é um ano marcado pela imprevisibilidade e pela alta volatilidade?
Aquiles – É a principal característica de 2020. O auge da imprevisibilidade ocorreu em março e abril. Havia um nevoeiro muito denso. Era muito difícil de prever um ou dois meses para frente. Hoje a situação até melhorou um pouco, mas a imprevisibilidade continua. Isso fica claro com a segunda onda de contágio de Covid-19 que está ocorrendo lá fora. Nos Estados Unidos já se fala em terceira onda de contágio. O Brasil está um pouco atrás, mas o que está acontecendo em outros lugares, deve ocorrer aqui também.
Blog Abrapp – Então, a pandemia continua como o principal driver do mercado?
Aquiles – A pandemia continua como uma tônica para os mercados. Por isso, a volatilidade continua alta para os mercados. Vamos de alguns meses de alta recorde na Bolsa para alguns meses de forte queda com pequeno intervalo entre um e outro. Isso deve se manter até que tenhamos um encaminhamento de desfecho para essa pandemia.
Blog Abrapp – Além da pandemia, o que mais preocupa no cenário doméstico?
Aquiles – O que mais preocupa aqui no mercado doméstico é a questão fiscal. Com certeza, é a possibilidade de furar o teto de gastos. Existe o risco de não aprovar medidas estruturais de contenção de gastos, sem o avanço das reformas. Tudo bem que tivemos uma expansão dos gastos públicos no mundo inteiro, semelhante a um cenário de guerra. E nesses cenários limites, é compreensível que os governos façam esse tipo de gastos, façam esse tipo de endividamento. Mas é fundamental que passado o grosso da crise, a responsabilidade fiscal seja retomada.
Blog Abrapp – Poderia comentar como esse risco de furar o teto de gastos está se expressando no mercado doméstico?
Aquiles – Vemos mês após mês a ocorrência de sinalizações que isso poderá acontecer. Depois surgem outros sinais que isso não vai acontecer. Fica essa incerteza em relação ao rumo das contas públicas. Existe a preocupação que o endividamento foi ampliado. Particularmente aqui, isso gera uma dúvida, esse é um dos principais fatores além da pandemia. É um fator adicional de risco no Brasil.
Blog Abrapp – E isso não acontece em outros países?
Aquiles – Nos países onde não há esse temor ao descontrole nas contas públicas, provavelmente no momento de solução mais definitiva para a pandemia, com uma vacina, ou tratamento mais eficaz, eles irão recuperar mais rápido que nós. O governo tem volumes enormes de dívida para rolar nos próximos meses, terá de pagar juros mais altos. Isso por si só já é um custo adicional, que é o custo da desconfiança.
Blog Abrapp – Quais armadilhas comportamentais devem ser evitadas nesses momentos de crise e alta imprevisibilidade que atravessamos atualmente?
Aquiles – É muito comum o investidor reduzir o horizonte de análise nesses momentos de incerteza. Acaba vendo o que está acontecendo nesta semana, no máximo dentro do mês. Sabemos que é difícil olhar horizontes mais longos nesses momentos. Sabemos que a crise é grave, mas ela tende a ser equacionada. Em mais um ou dois trimestres já teremos vacina ou tratamento. Daí o investidor que ficou preso no curto prazo, terá deixado oportunidades de investimentos importantes sobre a mesa . Essa tendência comportamental, de olhar só o curto prazo, é uma armadilha que principalmente o investidor institucional, as fundações, que têm um horizonte mais longo, deveriam evitar.
Blog Abrapp – Que tipos de oportunidades?
Aquiles – As fundações devem aproveitar esses momentos de incerteza que os ativos tendem a cair, em que os ativos ficam mais baratos, para evitar cair nessa armadilha. As oportunidades aparecem em vários setores, na Bolsa, no exterior, em infraestrutura. Elas podem ser muito variadas. Mas nesses momentos de crise, eles tendem a se retrair. E muitas vezes, quando decidem entrar novamente, os ativos já ficam mais caros. Até porque o curto prazo já não é uma alternativa.
Blog Abrapp – Diante desse cenário, quais recomendações poderia passar para os investidores, em especial, para as fundações?
Aquiles – É preciso caminhar para uma complexidade de investimentos superior aos que as fundações estavam acostumadas. A renda fixa deixou de ser um porto seguro para garantir a meta atuarial. No mês de setembro, até nos fundos DI, foram registradas rentabilidades negativas. Isso ocorreu por conta da necessidade de rolagem da dívida pública. Vimos esse evento acontecendo devido aos prêmios maiores. E ficou claro para as fundações, que quem quiser prêmio maior, terá de fazer trocas. Ou aceitar nível de risco maior, indo para Bolsa, multimercados, exterior, ou aceitar prazos mais longos para suas aplicações.
Blog Abrapp – Poderia comentar um pouco mais as possibilidades de se buscar retornos maiores?
Aquiles – Os investidores terão de deixar de aplicar no curto prazo para buscar prêmios nos prazos mais longos. E também terá de aceitar maior iliquidez, aplicando hoje e resgatando em 80, 100, 120 dias ou mais. Mais risco, mais prazo ou menos liquidez. Esse é o trinômio de troca que as fundações precisarão lidar com maior frequência. Aceitar mais prazo ou menos liquidez deveria ser muito natural para as fundações que, por natureza, têm uma característica de longo prazo. Estamos falando de recursos para a aposentadoria daqui a 10, 20 ou 30 anos. Há uma certa vocação das fundações para esse tipo de investimento com prazos mais longos e menos líquidos.
Blog Abrapp – Quais as principais opções nos ativos líquidos?
Aquiles – Temos percebido maior procura por investimentos no exterior. Por conta das dúvidas no mercado doméstico, até por causa do risco fiscal, porque não investir lá fora para acessar setores e empresas que não existem em nossa Bolsa? O que está liderando as Bolsas no mundo todo é o setor de biotecnologia, farmacêutico, entretenimento digital. São setores que nem existem em nossa Bolsa doméstica. Agora é que começam a aparecer com esse movimento de BDRs, mas ainda de forma restrita. Os investimentos no exterior devem ser utilizados de forma crescente em nossa avaliação.
Blog Abrapp – Qual a sua opinião sobre a demanda de aumento do limite para investimentos no exterior que consta na Resolução CMN 4.661/2018 além dos 10% do patrimônio permitidos atualmente?
Aquiles – Acredito que é a tendência natural. Se levarmos em consideração os mercados mais desenvolvidos, dos Estados Unidos e da Europa, não existe limite para aplicar no exterior. Pòr exemplo, um fundo francês pode aplicar, se quiser, até 100% de seu patrimônio no exterior, seja nos Estados Unidos, na Ásia, seja onde for. Aqui no Brasil ainda predomina essa visão um pouco antiquada que, se abrir muito as regras, a poupança nacional irá embora. E não foi o que aconteceu em outros mercados, até de nossa região.
Blog Abrapp – Poderia dar alguns exemplos?
Aquiles – Se olharmos outros países da região como México e Chile, eles já têm essa capacidade mais ampla de investir no exterior. Isso vai acontecer em nosso mercado e será benefício para todos os tipos de investidores, inclusive para as fundações. É muito positivo contar com a possibilidade de investir em escala global e acessar setores que não existem por aqui, pois agrega possibilidades de retorno, equilibra no risco na carteira e o risco ajustado pelo retorno torna-se mais saudável.
Blog Abrapp – Quais as outras opções além de ativos no exterior?
Aquiles – Falando da indústria de ativos líquidos, onde atuamos, temos os fundos de infraestrutura. É uma alternativa muito interessante. Estamos falando em papéis de empresas que investem em projetos de empresas de longo prazo, de 10, 12 15 ou até 18 anos. É a poupança de longo prazo. E as fundações, por vocação, são os grandes financiadores da infraestrutura. Estamos falando de projetos de geração de energia, de financiamento de portos, aeroportos, ferrovias, entre outros.
Blog Abrapp – Por que as fundações teriam interesse em investir nos fundos de infraestrutura?
Aquiles – Com um horizonte de aplicação de 10 a 20 anos, em investimentos, esses fundos tendem a ser vocacionados para as fundações. Tendem a remunerar bastante acima da inflação por conta do prazo mais alongado. Estamos falando de retornos de inflação mais 3% ou até mais 6% ao ano. Há outros tipos de investimentos ilíquidos, imóveis por exemplo. Mas dentro do BNP Paribas, do universo de fundos de investimentos, temos os fundos de infraestrutura, para buscar melhores retornos com prazos maiores.
(As opiniões e conceitos emitidos na entrevista acima não refletem, necessariamente, o posicionamento da Abrapp a respeito do tema)