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Panorama: Saquarema ou Luzia

5 de outubro de 2020

04 de outubro de 2020

Marco Antônio dos Santos Martins(*)

Há duas semanas durante um evento pela internet, um amigo economista teceu comentários acerca da disputa eleitoral americana, especialmente em relação ao debate entre Trump e Biden, no qual os candidatos fizeram discursos ferrenhos elegendo a China como inimigo comum, fazendo referência à seguinte frase do político pernambucano Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti de Albuquerque : “Nada se assemelha mais a um “saquarema” do que um “luzia” no poder. Tal frase tinha por objetivo ilustrar o funcionamento da política partidária da elite do Brasil durante o Segundo Reinado. “Saquarema” e “Luzia” eram as alcunhas dadas aos membros dos partidos Conservador e Liberal, respectivamente.

Os Conservadores eram conhecidos por “saquaremas” pelo fato de vários de seus membros residirem no município fluminense de Saquarema, que passou a ser também local de reuniões do partido.

O apelido de “luzias” dos liberais estava relacionado aos fatos ocorridos na vila mineira de Santa Luzia, durante a Revolta Liberal de 1842. Os liberais protestaram de armas em mãos na cidade contra o fechamento da Câmara liberal por D. Pedro II. A eleição para essa Câmara ficou conhecida como “eleição do cacete”, em virtude dos atos de violência ocorridos durante o pleito.

A fala de Holanda Cavalcanti mostra que os dois partidos eram essencialmente iguais, pois concordavam com a manutenção da monarquia e da escravidão do Brasil. A origem dos dois partidos é comum, já que surgiram a partir do antigo “Partido Liberal” que existiu até a Regência de Diogo Feijó, quando houve a cisão entre os regressistas e os progressistas. Mas havia diferenças que eram apresentadas quando um ou outro se encontrava no poder.

Os Conservadores, oriundos dos regressistas, tinham em suas fileiras principalmente os burocratas do Estado, os grandes comerciantes e os fazendeiros ligados às lavouras de exportação. Eles se posicionavam a favor de uma maior centralização política em torno do Poder Executivo, diminuindo assim a autonomia das províncias.

Surgidos a partir dos progressistas, os luzias eram formados por profissionais liberais urbanos e agricultores ligados ao mercado interno. Defendiam uma descentralização política, pretendendo maior autonomia para as províncias em um modelo federativo, colocando-se ainda contra o Poder Moderador do imperador e ao Senado Vitalício.

Os dois partidos alternaram-se no poder legislativo durante todo o Segundo Reinado. O exercício do poder ocorria através da ocupação do Conselho de Estado, órgão do poder político-administrativo do Império, diretamente controlado por D. Pedro II. Na monarquia parlamentarista brasileira, não era o rei que ficava subordinado ao parlamento, mas o contrário, o parlamento era submetido ao monarca.

Ao que parece a frase utilizada para comparar os candidatos dos partidos Republicanos e Democratas nas eleições americanas pode ser também utilizada neste momento no Brasil. Nesta semana, os discursos vindos do Palácio do Planalto anunciando mecanismos criativos para financiar o Programa Renda Cidadã, transformando dívidas em fontes de receitas, dentre outras coisas, assustaram o mercado financeiro, que sentiu o tempo retroceder, ressuscitando o mantra “gasto público é vida” de outrora.

O projeto do governo para área social, Renda Cidadã, parece ter como objetivos substituir o Bolsa Família, ampliar o número de pessoas atendidas, aumentar o valor do benefício e suceder o auxílio emergencial, que acabará em dezembro e que alavancou a popularidade do presidente.

O desafio será convencer o Congresso a aprovar uma proposta para financiar o programa, encontrar apoio da sociedade civil e dos agentes do mercado financeiro, bem como indicar recursos no orçamento sem criar gasto adicional, respeitando o teto de gastos, pois a lei do teto determina que os gastos públicos são limitados aos gastos do ano anterior, corrigidos apenas pela inflação. Assim, não adiantaria criar uma fonte de receita adicional para bancar o programa, pois para respeitar o teto, a única saída é remanejar dinheiro de outras áreas.

A proposta para financiar o aumento de gastos do novo programa não agradou, eis que previa um direcionamento de até 5% dos recursos novos do Fundeb e um limite para o pagamento de precatórios de 2% das receitas correntes líquidas da União, que somadas aos recursos do Bolsa Família, fechariam a conta do programa.

O mercado financeiro interpretou a proposta como uma tentativa de criar gastos sem cortar despesas. Afinal, as dívidas reconhecidas em precatórios se acumulariam se parte do dinheiro fosse destinada ao Renda Cidadã, com o pagamento delas sendo adiado.

Em linhas gerais os investidores estão cada vez mais apreensivos com as tentativas de tornar o auxílio emergencial, que deveria ser temporário, em um projeto permanente e sem contrapartida, sentindo-se surpresos e desconfiados com este governo, que tinha uma proposta reformista antes da pandemia.

Dentro deste cenário, o índice Bovespa encerrou o mês de setembro em 94.603 pontos, com uma perda de 4,8% no mês. A tendência de queda avançou pelos primeiros pregões de outubro, com o índice fechando na sexta-feira (02) em 94.016 pontos, já acumulando 0,62% de desvalorização.

Já o dólar ptax fechou em R$ 5,6407 no último dia de setembro, com alta de 3,09% no mês e iniciou outubro na mesma tendência, fechando na sexta-feira (02) a R$ 5,6464, com alta de 0,10%. O mercado de juros futuros também terminou a semana mais estressado, após declaração do Presidente do Banco Central, de que com uma eventual implosão do teto de gastos não será possível manter a SELIC em 2% ao ano. Assim, na sexta-feira (02), as taxas de contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) mais curtas, para janeiro de 2022, que refletem expectativas mais imediatas para a Selic, subiram de 3,12% a 3,40%; e o fim da curva, que está mais ligado aos riscos fiscais e, consequentemente, à expectativa de juros condizentes com esse risco, pularam de 7,50% para 7,60% para janeiro de 2027.

Embora cautela seja a palavra de ordem, os sinais de uma janela de oportunidade permanecem: os movimentos de queda atraem compradores racionais, que vislumbram o retorno a longo prazo.

 

 

(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.