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Panorama: O jurado número 8

21 de setembro de 2020

20 de setembro de 2020

Marco Antônio dos Santos Martins(*)

No drama cinematográfico, 12 Angry Men (USA, 1957), que para o Brasil tem o título de “12 homens e Uma sentença”, um jovem porto-riquenho é acusado crime de ter matado o próprio pai. Quando ele vai a julgamento, doze jurados se reúnem para decidir a sentença, levando em conta que o réu deve ser considerado inocente até que se prove o contrário. Onze dos jurados têm plena certeza de que ele é culpado, e votam pela condenação. O jurado número 8, o sr. Davis, protagonizado por Henry Fonda, é o único que duvida da culpa do jovem e, enquanto tenta convencer os outros a repensarem a sentença, traços de personalidade de cada um dos jurados vão sendo revelados. Enquanto o jurado número 8 acha que é melhor aprofundar a investigação para construir convicção sobre a sentença, passa a enfrentar diferentes interpretações dos fatos e a má vontade dos outros jurados, que só querem ir logo para suas casas e acabar logo com o julgamento.

Na história do mercado financeiro, muitas vezes as grandes estratégias vencedoras estão do lado daqueles que, em algum momento ousam questionar o consenso óbvio, dos apressados, funcionando como uma espécie de “jurado número 8”.

Os efeitos econômicos gerados pela pandemia da Covid-19 têm levado gestores e investidores a administrar dilemas de difíceis soluções. No cenário global, o aumento expressivo da liquidez está empurrando os investidores para as compras de ativos reais, superestimando as taxas de crescimento dos lucros das companhias, desconsiderando as dificuldades de retomada da atividade econômica e os riscos de uma segunda onda da Covid-19.

No caso brasileiro, a situação é igualmente delicada, a queda na taxa Selic recomendaria um aumento nas posições de risco das carteiras de investimentos. No entanto, o aumento no gasto público e as dificuldades do governo em avançar com os projetos de reforma tributária, reforma administrativa e privatizações, afastam investidores estrangeiros e ameaçam a capacidade de financiamento de longo prazo da dívida pública e a manutenção das taxas de juros em patamares baixos. Segundo matéria do Estado de São Paulo, de 20 de setembro de 2020, em julho apenas 9,04% da dívida pública estava nas carteiras de investidores estrangeiros, menos da metade, quando comparado aos 20,8% apurados em dezembro de 2015, momentos antes da perda do grau de investimento. Para completar o quadro, a elevação nos preços das commodities e as dificuldades de retomada na indústria ameaçam pressionar a inflação.

O mercado vem emitindo vários sinais que recomendam cautela, o primeiro vem do comportamento da curva de juros, que continua bastante inclinada, com o mercado exigindo taxas maiores para carregar posições de títulos mais longos. Enquanto o Relatório Focus do Banco Central projeta uma taxa SELIC de 2,5% a.a. para 2021, 4,5% a.a. para 2022 e 5,5% a.a. para 2023, a curva de juros pré-fixados pratica taxas de 4,75% a.a, 7,25% a.a. e 8,5% a.a., respectivamente, com indicativos de um claro prêmio de risco em relação à situação fiscal.

O segundo sinal vem do mercado de ações, que demonstra claramente o seu nível de incertezas, na medida em que vem oscilando entre na faixa dos 99.000 pontos e 102.000 pontos, nos últimos dois meses, sem definir tendência e sem contar com o fluxo de capital estrangeiro.

Já o terceiro sinal diz respeito à taxa de câmbio. O real é a segunda moeda emergente que mais se desvalorizou em relação ao dólar em um horizonte de doze meses, sendo superado somente pelo peso argentino.

Finalmente, em meio a fumaça das queimadas do Pantanal e a distribuição de “cartão vermelho” nas discussões sobre o Renda Brasil pelo Palácio do Planalto, o Comitê de Política Monetária (Copom), em sua 233ª reunião, decidiu manter a taxa Selic em 2,00% a.a, alertando no comunicado:

“O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.

Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado, notadamente quando essa ociosidade está concentrada no setor de serviços. Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional.

Por outro lado, políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. Adicionalmente, os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, implementados no combate à pandemia, podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos. Esse conjunto de fatores implica, potencialmente, uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.

O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.

Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa básica de juros em 2,00% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022.

O Copom entende que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno. Consequentemente, eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informações que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiva.”

Em meio ao atual cenário é cada vez mais recomendável que o investidor assuma um comportamento de “jurado número 8”, desconfiando do consenso em prol do aumento de exposição ao risco, entendendo melhor os fundamentos, diversificando posições, com um posicionamento e tendo uma visão mais racional sobre as reais perspectivas em torno da manutenção da taxa de juros no Brasil.

Assim, o radar do investidor deve estar cada vez mais direcionado para avaliar a probabilidade de uma ruptura com as políticas fiscais responsáveis. Quanto maior for esta probabilidade menor deverá ser a exposição da carteira a fatores de risco locais.

 

(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.