0800 643 7444 - (51) 3231-7444 | fapers@fapers.org.br |

PANORAMA: O Dilema do Rei

28 de setembro de 2020

27 de setembro de 2020

Marco Antônio dos Santos Martins(*)

O comportamento do mercado financeiro ao final do mês de setembro, sinaliza que esse deverá ser o segundo mês consecutivo de um quadro de indefinições sobre cenário econômico, com os investidores diante do aumento das percepções de risco sem que se tenham alternativas mais eficientes para se proteger da volatilidade. Neste sentido, vale revisitar a fábula contada por Geraldo Tosta de Sá1 em seu livro de Administração de Investimentos: Teoria de Carteiras e Gerenciamento de Risco, onde:

“Um rei de país distante, em épocas remotas, residia em um belíssimo palácio na capital de seu país. Neste palácio existia uma enorme quantidade de riquezas representadas por obras de arte, jóias, ouro, moedas, etc. Sob a ameaça de invasão por parte dos exércitos de um país inimigo, como medida de prudência, o rei resolve mandar remover essas riquezas para um local seguro, a certa distância do palácio, o mais rápido possível. Para isso, chama dois de seus súditos, da sua mais absoluta confiança, e os encarrega de transportar, cada um, a metade das suas riquezas para esse local seguro. Esses dois súditos organizam suas caravanas e levam para o local seguro determinado pelo rei a parte da riqueza que lhes coube transportar.

O primeiro súdito, atendendo ipse leterea a determinação do seu rei, escolhe o caminho mais curto e chega ao local seguro antes do segundo. Todavia, a rota escolhida pelo primeiro foi muito arriscada, pois estava infestada de salteadores prontos a saquear tudo o que conseguissem interceptar. Já, o segundo súdito, mais prudente do que o primeiro, escolheu uma rota mais longa, porém absolutamente segura não colocando em risco a parte da riqueza que lhe fora confiada.”

A fábula do autor é um convite para se refletir sobre os preceitos que fundamentam as teorias de gestão de risco, podendo-se questionar: na medida em que os dois atingiram seus objetivos, com nível de risco diferente, qual deles foi o melhor? Qual deles deve ser premiado?

Certamente a busca da resposta adequada ficaria mais fácil se a ordem do rei aos seus súditos fosse mais completa, determinando quão rápido deveria ser cumprida a tarefa e o quanto de risco o rei aceitaria. Quando se trata de analisar operações no mercado de capitais, a resposta é dada através de cálculos estatísticos, pois o investidor precisa conhecer a expectativa de ganhos de cada operação e os riscos envolvidos.

O comportamento atual do mercado financeiro está exigindo que participantes do mercado busquem compreender quais são os seus objetivos em termos de rentabilidade, liquidez necessária e apetite ao risco, pois almejar os ganhos esperados exigirá paciência e capacidade de aceitar a volatilidade dos preços, compreendendo um dos princípios fundamentais de finanças: de que a compra de qualquer produto de investimento e sua expectativa de rentabilidade está diretamente associada ao risco envolvido, ou seja, quanto maior a expectativa de retorno prometida por um ativo, maior é o risco envolvido.

Ainda é importante compreender que o risco em investimentos  está  associado  à

incerteza quanto ao resultado futuro de um investimento, que pode ser medido matematicamente, ou seja, pode-se dizer que risco é a probabilidade de que ocorra algo não esperado quanto ao retorno do investimento ou a probabilidade de ocorrer algo diferente do esperado, traduzindo-se na possibilidade de perda financeira.

Assim, enquanto o mercado financeiro precifica as indefinições em torno das questões fiscais no Brasil, do lado externo permanecem as incertezas de segunda onda da pandemia de Covid-19 na Europa. O Reino Unido, pela terceira vez consecutiva, bateu seu recorde diário de contágios. Na França, as últimas 24 horas igualmente foram de superação de máximas. Também os Estados Unidos e a Ásia se preparam para um novo crescimento das taxas de contágio.

Para completar o quadro de incertezas, nos Estados Unidos, continua a novela de republicanos e democratas. Há mais de dois meses não se chega a um acordo no Congresso para liberar o governo a gastar mais e amortecer o impacto econômico da Covid-19, reforçando a tese do FED (banco central americano) de que juros zerados e chuva de dólares nas bolsas não são suficientes para resolver a crise econômica gerada pela pandemia.

Dentro deste cenário, o índice Bovespa encerrou a terceira semana consecutiva em baixa, fechando em 96.999 pontos, acumulando uma desvalorização de 1,31% na semana e de 2,39% no mês. Quando comparado com o pico de 105.605 pontos de 29 de julho, a perda é 8,15%. Em linha com este comportamento, o dólar ptax fechou a sexta em R$ 5,5667, com alta de 5,25% na semana e de 1,74% no mês. A curva de juros voltou a ficar estressada, com as NTN-Bs mais longas fechando a semana negociadas com juros acima de 4% mais a variação do IPCA.

Por outro lado, a precificação de todas estas incertezas pelo mercado financeiro pode estar abrindo uma oportunidade para os investidores recomporem suas posições em ativos de maior volatilidade, visando capturar uma recuperação de preços na medida em que os problemas encontrarem um caminho de equacionamento, pois o cenário global deverá continuar sendo irrigado por um volume expressivo de liquidez e o Brasil poderá beneficiar-se desta liquidez, bastando alguns sinais de redução dos riscos fiscais.

Em relação a evolução da pandemia, segundo o Ministério da Saúde, com dados atualizados até a 18h do dia 27 de setembro, o Brasil tem 4.732.709 casos confirmados de Covid-19 e 141.741 óbitos confirmados.

Analisando-se os dados apresentados pelo Ministério da Saúde, percebe-se que a velocidade de propag          ação da doença está perdendo força, não só em termos de quantidade de casos como também em quantidade de óbitos por dia, porém os patamares elevados de algumas regiões, combinado com a retomada das atividades, ainda exige monitoramento constante, a fim de que a trajetória de queda se mantenha.

___________________________________

1 SÁ, Geraldo Tosta de. Administração de Investimentos:Teoria de Carteiras e Gerenciamento de Risco.

Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 1999.

 

(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.