Panorama: Lembrando o Encilhamento
17 de agosto de 202016 de agosto de 2020
Marco Antônio dos Santos Martins(*)
A semana começou com o Ministro da Fazenda anunciando o pedido de demissão, na terça-feira (11), dos secretários especiais de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel. Paulo Guedes divulgou a notícia após uma reunião no Ministério da Economia com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Se me perguntarem se houve uma debandada hoje, houve”, disse Guedes, manifestando seu descontentamento com o ritmo das privatizações e das reformas administrativa e fiscal.
Na sequência, a Presidência da República e as Presidências da Câmara e do Senado reafirmaram seus compromissos com o cumprimento do teto de gastos, com a agenda de reformas e com as privatizações, numa clara intenção de tranquilizar os investidores. No entanto, transparece a divisão entre uma ala do governo mais liberal e a outra mais desenvolvimentista, que não se importa de furar o teto de gastos em prol de uma agenda de investimentos financiados por recursos públicos para retomar o crescimento com mais intensidade.
O mercado financeiro, escaldado da política anticíclica do governo Dilma e desconfiado do quanto o liberalismo do candidato Bolsonaro se sobrepõe efetivamente às ideias corporativistas e nacionalistas do outrora parlamentar Bolsonaro, passou a semana tentando encontrar sinais de que os compromissos de campanha – reformas, privatizações e responsabilidade fiscal – resistiram ao aumento de popularidade do Presidente. Assim, a semana foi marcada por pressão em juros, câmbio e na bolsa de valores.
As desconfianças do mercado financeiro não são infundadas, ideias econômicas liberais e de livre mercado nunca encontraram eco duradouro junto à sociedade brasileira, que tem uma preferência por modelos desenvolvimentistas que privilegiam uma intervenção governamental forte, gerando, em alguns momentos da história, surtos rápidos de desenvolvimento seguidos de longas crises econômicas, como por exemplo, a política do encilhamento onde a intenção era promover a industrialização brasileira e estimular a atividade econômica do país. Entretanto, o resultado dessa política foi um dos maiores surtos inflacionários do Brasil.
Para explicar o encilhamento, vale recorrer ao texto “História – Encilhamento: crise financeira e República”, publicado na Edição 65 da Revista IPEA – Desafios do Desenvolvimento (Ano 8. Edição 65 – 05/05/2011)1
Em 1889, após a proclamação da República, o Brasil vivia um cenário de exuberância econômica: aumento do trabalho assalariado, grandes levas de imigrantes estrangeiros, forte crescimento industrial e aceleração do dinamismo das atividades econômicas. No entanto, nos anos de 1890 e 1891, se abateu sobre o Rio de Janeiro e São Paulo uma forte crise, que ficou conhecida como Encilhamento, expressão extraída do vocabulário utilizado em hipódromos, que designava o clima de confusão, desordem e febril jogatina que reinava nos locais das corridas, onde os jóqueis encilhavam seus cavalos.
No final do Império, a riqueza do Brasil dependia das atividades rurais com a produção agrícola sendo destinada à exportação, gerando reservas em moedas estrangeiras para garantir o equilíbrio do balanço de pagamentos. Com a abolição do trabalho escravo, os fazendeiros precisaram de recursos para pagar seus trabalhadores agrícolas e também as hipotecas, antes garantidas por seus escravos.
O Império, pressionado e vendo a monarquia em perigo, promoveu uma reforma do sistema bancário em 1888 para assegurar maior liquidez ao mercado. Os bancos recebiam esse dinheiro do Tesouro sem juros, por prazos que variavam de 7 a 22 anos e deviam emprestar à lavoura o dobro do empréstimo recebido, num prazo de vencimento de 1 a 15 anos, com juros de 6% ao ano.
Os bancos que receberam esses empréstimos, chamados “auxílios à lavoura”, viviam uma situação de privilégio e logo cresceu a procura pelas ações dessas instituições. Fundar bancos era o grande negócio daquele momento, pois estas novas instituições usufruíam dos mesmos favores que eram concedidos aos bancos antigos.
A queda do Império inquietou os banqueiros e comerciantes, que, diante da instabilidade política, fizeram grandes remessas de ouro para o exterior. Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda republicano, encontrou o Rio de Janeiro e São Paulo em franca ebulição. Por isso, Rui Barbosa considerou que era preciso uma expansão monetária de grandes proporções para atender às necessidades crescentes dos novos negócios.
O plano econômico de 1890 conservava a essência da Lei Bancária de 1888: mantinha os empréstimos à lavoura e autorizava a utilização de títulos públicos como cobertura para a emissão. O Brasil foi dividido em três regiões bancárias Norte, Centro, e Sul, autorizadas a emitir dinheiro mediante a garantia de apólices da dívida pública.
O privilégio dos bancos emissores, entretanto, provocou manifestações contrárias, levando o governo a admitir que outros estabelecimentos fossem também credenciados a emitir dinheiro, com um aumento exponencial na quantidade de papel- moeda, muito acima das necessidades econômicas da sociedade.
Rui Barbosa autorizou ainda os bancos privilegiados a emitirem notas lastreadas em bônus do governo. Isso atendeu ao interesse da elite proprietária, mas facilitou ações desonestas e o descalabro que se registrou na Bolsa de Valores. As transações limitaram-se, no início, aos negócios legítimos, restringindo-se aos títulos bancários. Depois, havendo dinheiro abundante na praça, surgiram, em pouco tempo centenas de novas sociedades comerciais, cujas ações eram vendidas na Bolsa sem qualquer garantia real, a não ser a esperança de que servissem de lastro para um futuro empreendimento industrial.
No segundo semestre de 1891, em meio a uma forte crise monetária, Rui Barbosa foi substituído pelo barão de Lucena, que tentou salvar o governo fazendo crescer as atividades econômicas e encorajando os bancos emissores a ampliarem o crédito. No entanto, o plano do barão de Lucena não obteve êxito e a crise monetária acabou por derrubar o próprio presidente, Deodoro da Fonseca, substituído pelo vice, Floriano Peixoto.
A primeira crise econômica da República não foi muito diferente de outras que a sucederam. A queda da atividade econômica provoca desemprego, inflação, recessão e crise cambial. Os papéis negociados na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, ao caírem de preço, levaram à ruína os investidores. A excitação dos negócios, a especulação e a inflação acabaram transformando o breve experimento do ministro Rui Barbosa numa aventura.
Apesar de tudo, muitas das companhias surgidas naqueles dias sobreviveram e se tornaram prósperos empreendimentos industriais. O exemplo mais notável foi o das companhias têxteis, cujo capital integralizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro mais que dobrou, entre maio e novembro de 1890. Em São Paulo, de fevereiro a julho de 1890, surgiram mais de duzentas sociedades anônimas, e em agosto do mesmo ano foi fundada a Bolsa de Valores daquele estado.
Em um ano em que os incentivos fiscais e monetários assumem proporções recordes, gerando um rápido crescimento do déficit público e da dívida pública, forte queda nas taxas de juros e a fuga dos investidores para a bolsa de valores, os agentes econômicos precisam utilizar com parcimônia os instrumentos de política monetária e fiscal, visando garantir a retomada do crescimento econômico sem abandonar os princípios de responsabilidade fiscal, garantindo a estabilidade da moeda conquistada a muito custo.
Do lado da atividade econômica, a semana alcançou bons resultados. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado prévia do Produto Interno Bruto (PIB), teve uma alta de 4,89% no mês de junho ante maio, de acordo com o Banco Central, em seu segundo mês de recuperação depois da forte retração da atividade por conta da pandemia do coronavírus. No acumulado do segundo trimestre, o indicador do BC registrou queda de 10,94%. Na comparação anual, o indicador teve queda de 7,05%, sendo que a retomada gradual das atividades combinada com o auxílio emergencialeauxílios creditícios estão surtindo os efeitos esperados.
Outro dado importante foi o resultado Pesquisa Mensal de Serviços, divulgada esta semana pelo (IBGE), que cresceu 5% em junho, em comparação a maio. A alta reverteu uma trajetória de quatro meses seguidos de taxas negativas, quando a perda acumulada foi de 19,5% devido aos impactos da pandemia.
Em meio às incertezas de Brasília, o mercado aproveitou para realizar lucros, com o Índice Bovespa fechando a semana em 101.353 pontos, com uma desvalorização de 1,38% na semana, acumulando perdas em agosto de 1,51%. Já o dólar PTAX encerrou a semana R$ 5,3852, com uma alta de 3,49% no mês.
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1 https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2490:catid=28&It
(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.