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Panorama – Velhos problemas: de Rosa Parks a George Floyd

9 de junho de 2020

05 de junho de 2020

Marco Antônio dos Santos Martins(*)

Na semana em que o panorama deveria ser protagonizado pelo rally de alta experimentado pelas bolsas de valores mundiais, em razão da retomada da economia e dos avanços da vacina contra a Covid-19, o destaque vai para os protestos antirracistas que, nos últimos onze dias, tomaram conta dos Estados Unidos, a partir da morte de George Floyd, asfixiado por um policial em Minneapolis (Minnesota).

Um problema racial de longa data, pontuado em diversos momentos da história norte-americana, como por exemplo, em 1 de dezembro de 1955, quando Rosa Parks entrou em um ônibus no centro da cidade de Montgomery (Alabama) e foi presa pela polícia após se recusar a ceder seu lugar a um homem branco. No dia seguinte, Rosa Parks deixou a prisão, após ter sua fiança paga por Edgar Nixon, presidente da sede local do NAACP (National Association for the Advancement of Colored  People),  e  seu  amigo Clifford Durr. O caso de Parks foi usado em favor dos direitos civis dos negros, começando com um boicote aos ônibus de Montgomery, quando cerca de 40.000 mil usuários negros da cidade e dos arredores, por 381 dias, deixaram de usar o transporte coletivo. Em 1956, a Suprema Corte americana julgou inconstitucional a segregação racial em transportes públicos.

Já em 1961, em plena Guerra Fria, quando os Estados Unidos e a União Soviética disputavam a supremacia na corrida espacial, a sociedade norte-americana lidava com uma profunda cisão racial, entre brancos e negros, onde negros não podiam frequentar os mesmos locais de brancos.

Tal situação é retratada no filme Hidden Figures, em português “Estrelas Além do Tempo” (USA, 2016), que conta a história de três matemáticas da NASA (Katherine Johnson, Dorothy Vaughn e Mary Jackson) que, além de provar sua competência dia após dia, precisam lidar com o preconceito racial para que consigam ascender na hierarquia da NASA.

Em agosto de 1963, um quarto de milhão de manifestantes, negros e brancos, vindos de toda parte dos Estados Unidos, se reuniram em Washington para um dia de discursos, protestos e cantos a favor da igualdade dos direitos civis para todos os cidadãos. Tal evento foi a maior aglomeração pacífica realizada nos Estados Unidos com propósitos de integração racial,  direito  de  moradia  digna,  pleno  emprego,  direito ao voto e educação integrada.

Em decorrência da manifestação, no mandato do presidente Lyndon B. Johnson, do Partido Democrata, foram aprovadas a Lei de Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos ao Voto de 1965, colocando fim à segregação racial em espaços públicos, ainda que de propriedade privada, e garantindo o voto universal, independentemente do nível educacional ou condição social.

Assim, mais de 50 anos depois da promulgação das Leis dos Direitos Civis e do Direito de Voto, as questões raciais nos Estados Unidos estão longe de serem equacionadas, aflorando de tempos em tempos. No atual momento, em que a Covid-19 impõe uma forte crise econômica, expondo e agravando as desigualdades sociais nos Estados Unidos e no mundo, antigas tensões sociais se potencializam.

O mercado financeiro acompanha atento o desenrolar destes movimentos, na medida em pode ser uma fonte adicional de incerteza para o comportamento dos ativos, com reflexos no quadro eleitoral americano.

No Brasil, em que pesem alguns tímidos avanços das últimas décadas, a discriminação racial mistura-se a graves questões de desigualdade social e de violência de todo gênero, o que pode ser observado em diversos ambientes, como estádios de futebol, universidades, transporte público, etc. Para quem, eventualmente, necessitar de evidências maiores, basta acompanhar os principais jornais do País na última semana, onde se encontram, por exemplo, o vazamento de declarações nada republicanas do Presidente da Fundação Palmares, entidade governamental encarregada de defender os interesses da comunidade negra, os acontecimentos envolvendo o menino Miguel em Recife-PE e algumas atitudes questionáveis da força policial, levando o Ministro Edson Fachin do STF a suspender ações policiais em favelas do Rio de Janeiro.

Em relação à Covid-19, o Brasil encerrou a semana com 35.026 mortes e 645.771 casos, segundo os dados divulgados pelo Ministério da Saúde na noite de sexta-feira (05), com as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, promovendo a retomada das atividades econômicas. No Rio Grande do Sul, a semana encerrou com 276 mortos,

11.583 casos e uma taxa de 2,4 mortes por 100.000 habitantes, bem abaixo da taxa do Brasil que é de 16,6 mortes por 100.000 habitantes. Cabe ressaltar que Brasília, sem um Ministro da Saúde definitivo, terminou a semana tentando questionar a veracidade da quantidade de óbitos por Covid-19, com reação imediata dos secretários estaduais de saúde e das entidades representativas da saúde.

Já o mercado financeiro teve uma semana irretocável, com as bolsas de valores experimentando sucessivas altas nos preços das ações, em razão das perspectivas de retomada da economia global, principalmente China e países europeus, pelas notícias em relação ao desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 e pelo acordo entre Rússia e Arábia Saudita no que se refere à produção e aos preços do petróleo.

Além disso, na sexta-feira (5), a animação chegou ao ápice com a divulgação pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos de dados surpreendentes em relação ao desemprego. A taxa de desemprego surpreendeu e recuou em maio, após atingir no mês anterior o maior patamar pós-Segunda Guerra Mundial. O indicador, que havia alcançado 14,7% em abril, ficou em 13,3% no mês passado. A expectativa era de que a taxa pudesse se aproximar de 20% em maio. Segundo o relatório, o país recuperou 2,5 milhões de postos de trabalho em maio.

Dentro desta lógica, o IBOVESPA encerrou a semana em 94.637 pontos, com uma alta de 8,3% no mês, voltando ao patamar próximo a 10 de março (92.214). No mesmo clima de otimismo, o dólar Ptax encerrou a sexta-feira em R$ 4,9772, com desvalorização de 8,3% no mês, voltando ao patamar de 16 de março (R$ 4,9471). Para ilustrar o otimismo, a pesquisa publicada pelo Estadão, denominada “Termômetro Broadcast Bolsa”, que tem por objetivo captar o sentimento de operadores, analistas e gestores para comportamento das ações na semana seguinte, sinalizava na sexta-feira, que dos 20 participantes ouvidos, 60% esperava alta, 30% estabilidade e apenas 10% queda, para o IBOVESPA para a próxima semana.

Em relação ao rally de alta das duas últimas semanas, cabe lembrar que o comportamento dos mercados opera com uma certa irracionalidade no curto prazo, recuperando a racionalidade no longo prazo. Os investidores que estão acompanhando o mercado com racionalidade, sem desespero ou entusiasmo exagerado tendem a maximizar seus resultados.

De outro lado, o movimento de alta no preço dos ativos ainda não reflete claramente os fundamentos econômicos das empresas, sendo mais explicado pelo elevado nível de liquidez global, com a maior parte dos países ricos operando com juros negativos. O lado real da economia ainda está complicado, com muitas empresas enfrentando dificuldades. O ritmo da economia no “novo normal” ainda está aquém do necessário para recuperar a lucratividade da maior parte das empresas.

No caso brasileiro, a Pesquisa Industrial Mensal (PIM), divulgada pelo IBGE, indica que em abril de 2020 a produção industrial caiu 18,8% frente a março de 2020, queda mais acentuada desde o início da série histórica em 2002, refletindo os efeitos do isolamento social provocado pela pandemia. Esse é o segundo mês seguido de queda na produção, acumulando nesse período perda de 26,1%. Em relação a abril de 2019, a indústria recuou 27,2%, sexta queda consecutiva e o recorde negativo da série histórica nessa comparação. A indústria acumulou redução de 8,2% no ano.

Também preocupam os investidores o fato de que o Brasil ainda mantém uma certa descoordenação na gestão da crise da Covid-19, com alguns centros importantes promovendo reabertura das atividades econômicas, enquanto as curvas continuam se acelerando, o que aumenta os riscos de uma “segunda onda”, que, se ocorrer, exigirá mais isolamento social.

Além disso, as linhas crédito emergenciais não estão chegando na velocidade necessária, principalmente para as médias e pequenas empresas, a evolução da situação fiscal e da dívida pública não está ainda perfeitamente delineada e o Palácio do Planalto ainda administra uma crise política com loteamento de cargos aos recém-chegados partidos aliados, que historicamente demonstram pouco compromisso com a responsabilidade fiscal.

Em outras palavras, a consolidação desta tendência de alta no mercado de ações dependerá de sinais mais claros de superação dos problemas da economia real, transformando as expectativas em realidade, pois os mercados são sensíveis e a história mostra que quanto maior a expectativa, maiores são as frustações.

Já o mercado de renda fixa está bem mais cauteloso, pois mesmo com as perspectivas de que na reunião do COPOM de junho possa ocorrer um novo corte na Taxa Selic, reduzindo de 3,00% para até 2,25%, os títulos de renda fixa, indexados ao IPCA de prazo mais longo, continuam oferendo taxas acima de 4%, não compartilhando de todo o otimismo do mercado de ações.

Para a próxima semana as expectativas ficam por conta de uma provável realização de lucro na B3 e da divulgação do IPCA de maio, que deve apresentar deflação, acompanhando o comportamento do IPCA-15, que em maio veio com deflação de 0,59%. As expectativas do mercado, medida pelo Relatório Focus do Banco Central, sinalizam uma deflação de 0,45% para maio.

(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.