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Panorama: The Market of Lemons

15 de junho de 2020

14 de junho de 2020

Marco Antônio dos Santos Martins(*)

O processo de precificação de ativos envolve a negociação de uma expectativa de retorno associado a um certo nível de risco, ou seja, os investidores transacionam expectativas em relação ao futuro, que é, por definição, incerto por natureza. Assim, uma das variáveis determinantes na precificação de ativos é a qualidade da informação disponível para compradores e vendedores, onde todos buscam o que Fama1 (1970, 1991) define como mercado eficiente, onde o preço de um ativo qualquer em um mercado deve refletir inteiramente todas as suas informações relevantes disponíveis (Fama, 1970, 1991). Desta forma, a redução da assimetria de informações entre compradores e vendedores ajuda a reduzir as ineficiências do mercado.

As implicações da assimetria de informação em um mercado qualquer foram analisadas inicialmente no artigo “The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism” de Akerlof2 (1970), ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001. Para ilustrar esse fenômeno, o autor utilizou como exemplo o mercado norte- americano de carros usados, denominado market for lemons, onde os carros usados velhos e ruins são conhecidos como limões. Segundo o autor, nesse tipo de mercado a assimetria de informação é caracterizada pelo nível informacional de seus agentes, onde quem vende um carro tem pleno conhecimento de suas condições, enquanto quem o compra desconhece tais condições. Em função disso, o comprador já vai disposto a pagar pelo carro um preço abaixo daquele que ele efetivamente valeria, pois não possui todas as informações necessárias para atestar sua qualidade, enquanto quem tem um carro bom resiste em vendê-lo, pois pode receber aquém do real valor do seu veículo.

Nos mercados financeiros, a assimetria de informação também é perceptível, pois tomadores de capital tipicamente conhecem melhor suas garantias, habilidades e integridade moral do que os credores. Por conseguinte, os tomadores de capital possuem informações “privilegiadas” sobre seus próprios projetos, para os quais buscam financiamento. Por outro lado, os credores buscam ferramentas para conhecer as verdadeiras características dos tomadores, no entanto a transferência direta de informações entre os participantes tende a ser dificultada pelo risco moral (moral hazard), ou seja, o risco de um agente econômico mudar seu comportamento de acordo com os diferentes contextos nos quais ocorrem as transações econômicas.

Já no mercado secundário de títulos também é possível observar o mesmo comportamento, pois, caso um determinado investidor detenha informação privada sobre determinada empresa ou país, antes da divulgação desta, ele pode operar comprando ou vendendo posições obtendo, assim, ganhos anormais.

Dentre os vários instrumentos identificados pelos investidores como capazes de reduzir a assimetria informacional, destaca-se a governança corporativa, que é apoiada nos pilares da transparência, prestação de contas contínua e responsabilidade corporativa.

Assim, alguns movimentos governamentais no sentido de questionar dados e informações, ameaçando um perigoso flerte com a sonegação e/ou manipulação de informações além de assustar a sociedade como um todo, também deixa o mercado financeiro em alerta, pois se os dados das queimadas da Amazônia, do desemprego, das mortes pela Covid-19 e da violência policial são questionados, quem garante que os dados econômicos como inflação, PIB, dívida pública não serão questionados no futuro, se desagradarem as autoridades?

Uma dose a mais de preocupação pode ser acrescentada com a notícia de domingo (14) a tarde, do site ValorInveste3, dando conta que está próxima a saída do Secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, do governo.

Segundo a notícia, ele já está discutindo com o Ministro da Economia, Paulo Guedes, um nome para sucedê-lo no cargo que ocupa desde 2018, último ano do governo Michel Temer. O site destaca ainda que a informação sobre a preparação da saída dele foi publicada hoje na coluna do jornalista Lauro Jardim e confirmada pelo jornal Valor com integrantes da área econômica.

O ValorInveste finaliza seu texto afirmando que Mansueto é um grande defensor da tese de que a ampliação de gastos em decorrência da pandemia tem que se circunscrever a este ano e que a política fiscal precisa voltar à normalidade após o fim da calamidade, definido para 31 de dezembro.

Em novembro do ano passado, quando o jornal Valor noticiou a intenção de saída do Secretário do Tesouro e o esforço do ministro para mantê-lo, Mansueto disse que tinha como metas resolver a questão do ajuste fiscal dos Estados com o PEF (Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal) e com o RRF (Regime de Recuperação Fiscal) e aprovar as reformas fiscais que constavam do novo pacto federativo.

Em termos práticos, estas dúvidas podem se transformar em redução da credibilidade do País a médio e longo prazo e em dificuldades na rolagem de uma dívida pública crescente em um ambiente de PIB decrescente, resultando em elevação nos juros e no custo de carregamento da dívida pública do país. Vale lembrar que em um passado não muito distante, enquanto não se encarava o problema inflacionário com seriedade, se manipulava os índices oficiais de inflação, indicadores de contas públicas, tabelas de preços, etc.

Enquanto se discute os critérios sobre contabilização de casos e mortes por Covid-19,  segundo  dados do  Ministério  da  Saúde  de 13  de  junho,  o Brasil  registra

850.514 casos e 42.720 óbitos. Já com o Rio Grande Sul apresenta 14.627 casos e 344 óbitos, com muitas cidades reduzindo o isolamento social e as curvas da doença em ascendência. Na quarta-feira (11), o jornal Valor publicou os resultados de um estudo da Bain&Company que a partir de uma análise que leva em conta o nível de utilização das UTIs e a velocidade de avanço da doença, indica que ao menos 7 estados da federação correm o risco de ter que paralisar totalmente suas atividades econômicas (“lockdown”), sendo eles: Pará, Amapá, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro.

No mercado financeiro prevaleceu a máxima de que quanto maior a expectativa, maior a frustração. Depois de algumas semanas de entusiasmo contagiante, a semana foi de recuo nas cotações das ações, no Brasil e no mundo. A realização foi empurrada a partir das declarações do Banco Central dos Estados Unidos, que sinalizou que os juros continuarão próximos de zero até pelo menos o fim de 2022, indicando que o ritmo de recuperação será lento. Ocorreu também a divulgação de novos dados mostrando que os pedidos de desemprego continuam em patamar recorde, refletindo os danos econômicos da pandemia. Para completar o quadro de desencanto, os riscos relacionados às prováveis novas ondas de contágio da Covid-19, principalmente nos Estados Unidos, a proximidade das eleições americanas e as tensões comerciais terminaram por contaminar o ânimo dos investidores. Na sexta-feira, a pressão vendedora arrefeceu um pouco, com os preços esboçando uma recuperação no mercado internacional.

No Brasil, o IBOVESPA encerrou a sexta-feira cotada a 92.795 pontos, com perdas de 1,95% na semana, ainda acumulando uma valorização de 6,20% no mês. Já o dólar Ptax encerrou a semana em R$ 5,0373, com uma valorização de 1,20%, acumulando desvalorização de 7,17% no mês, acompanhando a decepção dos investidores. Ao que tudo indica a semana ainda deve ser nervosa para os mercados.

Na onda de notícias ruins, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou na quarta-feira (10) seu relatório de perspectivas econômicas, que prevê uma recessão mundial de 6% para 2020 caso a pandemia de coronavírus permaneça sob controle e uma retração de 7,6% no ano caso haja uma segunda onda. Já para o PIB do Brasil, o organismo internacional projeta uma queda de 7,4% neste ano e 9,1%, caso ocorra uma segunda onda de contaminação por coronavírus. A OCDE ainda diz que a resposta econômica do governo foi “oportuna e precisa”, mas ressalta que o vírus segue se propagando rapidamente pelo país. O relatório cobra que o Brasil retome rapidamente o caminho das reformas após a pandemia.

Na quarta-feira (10), o IBGE divulgou a inflação oficial de maio, medida pelo IPCA, que foi de -0,38%, enquanto a taxa de abril foi -0,31%. Essa é menor variação mensal deste agosto de 1998 (-0,51%). No ano, o IPCA acumula queda de -0,16% e, nos últimos doze meses, alta de 1,88%, abaixo dos 2,40% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em maio de 2019, a taxa havia ficado em 0,13%.

Em um ambiente de inflação cada vez mais baixa, o mercado continua desenhando um cenário para uma queda de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros. As expectativas do mercado ficam para as próximas reuniões do COPOM, pois não há consenso se o COPOM irá interromper os cortes ou continuará reduzindo a taxa Selic.

 

(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.