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Panorama: Charles Darwin tinha lá suas razões

2 de junho de 2020

31 de maio de 2020
Marco Antônio dos Santos Martins(*)

Em 28 de fevereiro de 1832, o navio H.S.M. Beagle ancorava em Salvador-BA, trazendo a bordo o jovem naturalista Charles Robert Darwin, então com apenas 23 anos, que seria considerado no futuro o pai da Teoria da Evolução. Darwin permaneceu cerca de 35 dias na Bahia e, em 4 de abril, chegou ao Rio de Janeiro, onde permaneceu mais 93 dias. O diário de bordo e as anotações de viagem de Darwin eram ricos em descrições geográficas e comentários sociológicos, tanto que viraram livro em 1839: Viagem de Um Naturalista ao Redor do Mundo. Em suas observações, Darwin descreve seu encantamento com a biodiversidade encontrada no Brasil e sua indignação com a escravidão, a burocracia e a corrupção. As percepções de Darwin, à época, podem ser chocantes, mas ele tinha lá suas razões.

Segundo Darwin, “Nunca é agradável submeter-se à insolência de homens de escritório, mas aos brasileiros, que são tão desprezíveis mentalmente quanto são miseráveis as suas pessoas, é quase intolerável”, reclamou, em 6 de abril de 1832. “Contudo, a perspectiva de florestas selvagens zeladas por lindas aves, macacos e preguiças fará um naturalista lamber o pó da sola dos pés de um brasileiro”. Em outro momento, ele chegou a rotular os brasileiros de “ignorantes”, “covardes” e “indolentes”: “Até onde posso julgar, possuem apenas uma fração daquelas qualidades que dão dignidade ao homem”, queixou-se. “Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que, em pouco tempo, ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados.1

Quase dois séculos se passaram e o País vive uma crise de saúde pública, chegando a 31 de maio com 501.985 casos confirmados e 28.872 mortes por Covid-19, uma recessão épica e um desarranjo histórico nas contas públicas. Mas, no noticiário da semana, ganha destaque as operações da Polícia Federal, investigando suspeitas de corrupção, superfaturamento e outras irregularidades nos programas de saúde pública relativos ao combate à Covid-19, envolvendo prefeitos e até governador de estado.

Realmente, o DNA de alguns gestores públicos do Brasil tem o poder de validar a Teoria da Evolução Darwiniana, superam-se na capacidade ir misturando os interesses públicos com os pessoais, em quaisquer que sejam as circunstâncias, esforçando-se para obter vantagens para si e seus grupos, mesmo que isso resulte em um aumento na quantidade de óbitos por Covid-19.

Lamentavelmente, alguns gestores públicos, ao combinar irresponsabilidade com despreparo para a função e a convicção da impunidade, não merecem a denominação de gestores e, muito menos, a de gestores públicos, pois ignoram os princípios básicos norteadores das boas práticas da gestão pública, dentre eles aquele inúmeras vezes referido por Margaret Thatcher: “não existe dinheiro público e sim o dinheiro do pagador de impostos”.

Já o mercado financeiro encerrou a última semana do mês entusiasmado pela perspectiva de retomada da economia global, bem como pelos avanços científicos em direção à vacina contra a Covid-19. Assim, o IBOVESPA chegou a fechar em 87.946 pontos, na quarta-feira (27), com uma alta de 7,02% na semana e 9,24%, no mês.

No pregão de quinta e sexta-feira, a bolsa, em sintonia com os mercados internacionais, experimentou um movimento de realização de lucros, pois o aumento das tensões entre Estados Unidos e China voltou a preocupar, pois existe o temor de que as tensões políticas possam atrapalhar o acordo firmado no final do ano passado de promessa de “paz comercial” entre os dois países.

No Brasil houve o acirramento da crise política interna, principalmente após operação da Polícia Federal, que cumpriu 29 mandados de busca e apreensão no âmbito do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que apura a produção de informações falsas e ameaças à Corte.

No entanto, no final do pregão de sexta-feira (29), o mercado já ensaiou uma recuperação, com o IBOVESPA fechando o mês em 87.402 pontos, com alta de 8,57% no mês, recuperando o patamar de 9 de março, quando o índice fechava em 86.067 pontos. No ano, as perdas acumuladas, ainda estão elevadas e estão em 24,42%.

Em sua análise de mercado do mês de maio, o site ValorInveste chegou a lembrar que o comportamento positivo das bolsas no mês de maio, contraria uma longa tradição dos investidores americanos “sell in may, and go away, ou seja, vender ações em maio e só voltar a investir depois das férias de verão. Ainda segundo o site, no caso do Brasil, nos últimos 11 anos, só por duas vezes o IBOVESPA escapou de fechar maio no vermelho.

Os bons ventos em torno da reabertura das economias também ajudaram o real, tendo em vista que o dólar Ptax, na quarta-feira(27), chegou a atingir R$ 5,2992, o menor nível desde 20 de abril, influenciado pela desmontagem de operações contra o real no mercado futuro e por uma captação externa da Petrobrás de US$ 3,2 bilhões. A operação representou a colocação de duas séries de títulos, sendo a primeira, com prazo de 10 anos, que somou US$ 1,5 bilhão e fechou com taxa de 5,60%. Já a segunda, que vence em 30 anos, levantou US$ 1,75 bilhão e saiu a 6,90%. As taxas obtidas foram inferiores às esperadas pelos coordenadores da operação.

No final da semana, a moeda americana recuperou o valor, com o Dólar Ptax fechando o mês de maio em 5,4263, praticamente estável no mês (-0,01%), mas com uma alta de 34,62% no ano.

Em termos de economia real, o IBGE divulgou na sexta-feira (29) os resultados do PIB do primeiro de trimestre de 2020, que veio em linha com as expectativas, onde já é possível captar os primeiros resultados da pandemia e do distanciamento social, com o PIB apresentando uma contração de 1,5% na comparação do primeiro trimestre de 2020 contra o quarto trimestre de 2019, na série com ajuste sazonal. A Indústria (- 1,4%) e os Serviços (-1,6%) apresentaram recuo, enquanto a Agropecuária (0,6%) cresceu. Entre as atividades industriais, a queda foi puxada pelas Indústrias Extrativas (- 3,2%), mas também apresentaram taxas negativas a Construção (-2,4%), as Indústrias de Transformação (-1,4%) e a atividade de Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (-0,1%).

Nos Serviços, houve resultados negativos em Outros serviços (-4,6%), Transporte, armazenagem e correio (-2,4%), Informação e comunicação (-1,9%), Comércio (-0,8%), Administração, saúde e educação pública (-0,5%), e Intermediação financeira e seguros (-0,1%). A única variação positiva veio das Atividades imobiliárias (0,4%).

O Consumo das Famílias (-2,0%) registrou queda, enquanto a Formação Bruta de Capital Fixo (3,1%) e a Despesa de Consumo do Governo (0,2%) tiveram variações positivas em relação ao trimestre imediatamente anterior. No que se refere ao setor externo, as Exportações de Bens e Serviços tiveram contração de 0,9%, enquanto as Importações de Bens e Serviços cresceram 2,8% em relação ao quarto trimestre de 2019.

As estimativas do mercado, dadas pela mediana das expectativas do relatório Focus, publicado semanalmente pelo Banco Central, sinalizam uma queda de 5,89% para o ano de 2020.

O mercado de juros continua com a curva bastante inclinada, na medida em que os investidores projetam um novo corte na taxa Selic para a próxima reunião do COPOM, mas continuam precificando os juros de longo prazo em patamares elevados por conta da piora nas contas públicas e da relação dívida/PIB no médio e longo prazo.

Finalmente, o entusiasmo dos investidores precisa ser ponderado com a efetiva retomada da economia global e a evolução das tensões entre China e Estados Unidos. Adicionalmente, a onda de protestos antirracistas, a partir da morte de George Floyd, asfixiado por um policial em Minneapolis, Estado de Minnesota, que vem se espalhando por vários estados americanos, pode também afetar o ânimo dos investidores na próxima semana.

Em relação ao Brasil, a semana encerrou com um clima político bastante tenso, com os investidores atentos à Brasília, esperando que prevaleça o bom senso. Nesse sentido, ao pedir que os poderes dialoguem, o Vice-Presidente Hamilton Mourão compara o momento atual ao jogo de futebol sem técnica, com a partida limitada a chutões sem direção, privilegiando os balões: “É preciso colocar a bola no chão, e que todos conversem, Executivo, Legislativo e Judiciário…”

Assim, o entusiasmo de maio, deve ao menos num primeiro momento, ser transformado em cautela.

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1 Texto extraído da matéria: “Encantado com a natureza e indignado com a corrupção: o que Charles Darwin achou do Brasil do século 19”, por André Bernardo, do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil, em 23 de novembro de 2019

 

(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.