Panorama: Um dia após o outro
5 de maio de 202030 de Abril de 2020 Marco Antônio dos Santos Martins(*)
O mês de abril chega ao fim, com os números da pandemia do coronavírus no centro dos acontecimentos. O mercado financeiro monitora dia-a-dia as curvas de contaminações e de mortes pelo vírus ao redor do mundo, os planos de relaxamento das quarentenas, as pesquisas em relação às vacinas e medicamentos, bem como os estímulos econômicos e seus impactos sobre as contas públicas, chegando à conclusão de que os modelos de projeções econômicas ainda não são ferramentas muito eficazes, cabendo apenas tentar viver um dia após o outro, num horizonte de projeção bem curto.
Ao utilizar o comportamento da bolsa de valores como um indicador capaz de captar o ânimo dos investidores e, por consequência, dos agentes econômicos de uma forma geral, verifica-se que o mês de abril foi caracterizado pela redução do nível de incerteza dos investidores, com a volatilidade do índice BOVESPA foi menor que nos meses anteriores, encerrando o mês com uma valorização de 10,14%.
O gráfico a seguir, que apresenta a variação diária do IBOVESPA durante o mês de abril, demonstra esse comportamento:
Fonte: www.economatica.com
Assim, o mercado operou até a metade do mês com uma recuperação, tentando vislumbrar a perspectiva de retomada gradual da economia global com o anúncio dos primeiros resultados positivos de medicamentos e vacinas, intercalando com alguns momentos de contração, com a divulgação de dados econômicos correntes. A trajetória de alta foi interrompida pelo anúncio da saída do Ministro da Justiça e os rumores de que o Ministro da Economia estava desacreditado. Na última semana, as tentativas do governo de recolocar o Ministro Paulo Guedes no centro da condução da economia, fez com que os investidores absorvessem as quedas e retomassem a trajetória de valorização, interrompida no último pregão do mês, por um movimento de realização de lucros, frente ao anúncio pela França e Espanha, de fortes baixas do PIB no primeiro trimestre, 5,8% no caso francês e 5,2% no caso espanhol.
Os bons resultados de abril, no entanto, não são suficientes para absorver as perdas do ano. O IBOVESPA acumula uma perda de 30,39% no ano de 2020, praticamente anulando os ganhos de 31,58% do ano de 2019.
O comportamento do mercado financeiro para os próximos meses estará concentrado em três vetores principais.
O primeiro vetor está relacionado ao fato que os investidores estão acompanhando a retomada da economia internacional, especialmente a China, Estados Unidos e Zona do Euro, na medida em que a retomada global é fundamental para as principais empresas produtoras de comodities no Brasil.
O Brasil é reconhecido internacionalmente pela produção e exportação de commodities agrícolas e minerais. De acordo com a base estatística do extinto Ministério da Indústria e Comércio Exterior e Serviços (MDIC), atualmente, Ministério da Economia, as exportações brasileiras totalizaram US$ 239,3 bilhões (FOB) em 2018, sendo que os três principais produtos são soja e derivados com US$ 40,7 bilhões, petróleo e derivados com US$ 31,6 bilhões e minérios metalúrgicos com US$ 23,7 bilhões. Se ainda incluir carne, com US$ 14,3 bilhões, papel e celulose, com US$ 10,3 bilhões, açúcar e derivados com US$ 7,4 bilhões, e café com US$ 4,9 bilhões, é possível totalizar 55,5% do total das exportações brasileiras.
No mercado acionário a situação não é muito diferente, a participação em 06 de dezembro de 2019, das empresas no IBOVESPA, índice que mede a rentabilidade das maiores e mais líquidas ações negociadas no mercado, tem a Petrobras com participação de 12,08% do IBOVESPA e a Vale com 8,42% do índice, totalizando, somente as duas, 20,50% do índice. Analisando pelo lado da participação do valor de mercado das ações negociadas, de acordo com a B3, em dezembro de 2019, o valor total de mercado das 328 companhias listadas representava US$ 1.082,4 bilhões, com a Petrobras valendo US$ 97,8 bilhões, a AMBEV US$ 69,4 bilhões e Vale 64,9 bilhões. Assim, o valor de mercado de Petrobras e Vale, representam US$ 162,8 bilhões ou o equivalente a 15,03% do valor de mercado total.
O segundo vetor está diretamente relacionado à forma como o Brasil irá gerenciar a pandemia e seus efeitos no mês de maio, quando, de acordo com os dados do Ministério da Saúde, o País irá enfrentar o seu pior momento. A quantidade de mortos saltou de 244 no final do mês de março para mais de 6.000 em abril, com a curva em ascendência. O Brasil vem demonstrando uma certa descoordenação na implementação e gestão das medidas de isolamento social, com as autoridades emitindo informações contraditórias para a população, enquanto o sistema público de saúde dá sinais de saturação em muitas cidades brasileiras. Os riscos de agravamento da situação da saúde podem levar o Brasil a ter que promover uma quarentena mais rigorosa, como as implementadas na Itália e Espanha, agravando o quadro econômico.
Finalmente, como terceiro vetor, temos a questão da gestão das contas públicas na crise, o que tem sido uma fonte de preocupação dos investidores, tendo em vista que governadores e prefeitos pressionam o governo federal pela aprovação de um auxílio generoso, bem como as intenções de uma ala do governo de incentivar investimentos em obras públicas para acelerar a retomada da economia, o Plano Pró-Brasil, combinada com um eventual enfraquecimento do Ministro Paulo Guedes. Além disso, as dificuldades do governo para construir uma base política sólida no Congresso tende a aumentar, pois na política também vale o velho provérbio: “Quando a pobreza entra pela porta, o amor pula pela janela”.
A recomendação para os investidores continua sendo a de cautela, não sendo recomendável o aumento de exposição de risco, pois novas ondas de volatilidade poderão ocorrer no mês de maio, sem no entanto, esquecer que o cenário pós pandemia terá uma SELIC muito baixa por um longo tempo e, exigirá naturalmente, a manutenção de ativos de risco no portfólio. Assim, é não é recomendável abandonar as posições em bons gestores de multimercados, por exemplo ou deixar de aproveitar as boas oportunidades em títulos de risco de crédito privado de boa qualidade.
Para os brasileiros que culpam a economia pelas mortes ou culpam o isolamento social pela recessão, tentando equacionar o trade-off entre economia e vida, cabe lembrar a frase de William Shakespeare: de que “Não há culpados. O que há são desgraçados”.
(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.